quarta-feira, 13 de maio de 2009

O Tempo definido


(Ivana Almeida)

... e amei uma mulher: o momento mais louvável e mais valoroso em mim.
Meu sentimento foi disfarçado pela discrepância do tempo: era ela de fato, mas a ampulheta não se convencia disto e o coração, cheio das distâncias. Não havia de negar que tínhamos outras tantas preocupações, como salvar o mundo ou ao menos salvar a nós mesmos, mas era uma necessidade estar e ser tudo para ela.
Nossa história foi breve, mas tão intensa quanto à de Otello e Desdémona, que morrem um com o outro em uma traiçoeira façanha do destino. Juntos, parecíamos corpos eternos, que não havia nada menos do que o estado constante de felicidade – claro que era amor! “Oh, Judite, minha querida, que falta da sua suavidade e brandura que me confortavam; das horas de falação e risos tortuosos pelo meio dos outros; pelo alvoroço completo dos planos do nosso romance.”
Meus suspiros de resgate nunca a trazem materializada pela brisa que me dá fôlego, senão nos meus sonhos e momentos de alucinação...
Meses antes...
...ela está indo embora, mas não consigo seguir o resto da tarde sem pensar uma, duas, três vezes em fazer minhas malas e ir onde for para ficar ao seu lado. É certo que seu destino e estado são de longe inacessíveis a mim, mas...
O telefone está tocando.
- Alô? É o senhor Lins?
- Pois não? – disse.
- É a Judite... ela...
- Fala! O que tem a Judite?
- Ela piorou, mas encontra-se acordada.
- Estou indo agora! Por favor, eu... eu não demorarei. Obrigada!
Ai, minha Judite!
Deixei meus pensamentos naquele travesseiro em que estava deitado e fui com pressa ao Hospital Luiz da Prata, não muito longe da minha casa. Guardei a caixinha no paletó e tomei um táxi até o outro quarteirão.
A porta do seu quarto estava aberta a minha espera e quando entrei, todos nos deixaram a sós. Olhei-a um pouquinho com os olhos de quem doaria sua vida por amor: seu corpo magrelo da dieta rigorosa que se prestou a ter, seus olhos escuros amortecidos pelo reflexo branco das paredes, suas mãos e braços tão marcados por injeções, exames, picadas e sei mais o quê. Sua boca ressequida pela fraqueza de umedecê-la com a própria saliva, seus cabelos emaranhados da posição horizontal de seu tronco – ai meu amor! – meu corpo gritou.
- Lins, meu amor? – disse em som quase inaudível.
- Estou aqui, querida. Desculpe-me por não vir mais cedo. – disse, posicionando-me para mais perto da cama.
- Fica comigo.
- Estou aqui, pode ficar tranquila.
- Desculpe-me.
- Pelo quê?
- Não poderei cumprir com nossos planos. Estou morrendo.
- Não, filha, não diga essa barbaridade! Ficará bem, vai ver só. – meu coração estava partido.
- Eu sempre quis ser sua até o fim dos meus dias... e... – um súbito cansaço a fez pausar.
- Não se esforce tanto...
- Deixe-me terminar. Lins, você é o homem certo da minha vida, o amor... sólido dentro de mim. Fui a mais feliz e mais amada... de todas as mulheres que conheço, e talvez isso tenha sido muito para esse... frágil coração, que hoje não quer mais bater sozinho e precisa desses tantos aparelhos. O meu faz-de-conta foi o mais real contigo, e meu onírico, o mais acordada possível. – as pausas de exaustão eram cada vez mais constantes.
- Judite – já não impedindo as lágrimas – eu a amo, e isso é mais forte que a vida e que o pulso do teu coração. Estaremos juntos para sempre, e sempre, e sempre.
- Eu o amo!
- Queres casar comigo?
- Como...?
- Judite, você me aceita como marido? – ajoelhou-se formalmente.
- Lins, eu... – tossiu - não viverei muito.
- Case-se comigo agora, meu amor!
- Agora? Como...?
- Sim! Somos nossas próprias testemunhas. Aceitas?
- Claro que sim, claro! – Mesmo com o desconforto dos tubos, suas lágrimas ainda achavam caminhos para molhar a cama.
Tirei o anel do bolso do paletó, mais feliz que em qualquer outro momento, e pus em seu dedo e ela, o mesmo em mim, mostrando-se cada vez mais fragilizada - era perceptível seu esforço.
- Juro-te amor eterno e coração fiel. – disse beijando-lhe os lábios.
Passado alguns momentos em silêncio, vi que os músculos esgotados da mão que segurava a minha ia descansando aos poucos e enfim, acabamos adormecidos ali. Acordei somente com a entrada do médico para a visita de rotina no dia seguinte.
- Sinto muito, filho.
Essas foram as únicas palavras de consolo: Judite havia morrido naquela tarde.

16 comentários:

  1. Como alguns já escritos, esse me veio a mente toda a cena. "Triste fim de policarpo quaresma",sabes bem como comover o leitor, amor como esse será possível?! Ser possível não sei, mas que é lindo, tenho certeza.
    Termino o comentário, com o coração partido e emocionado.
    Eveline.

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  2. um tanto coberta de tpm fico meia que sensível demais para escrever. tudo fica extremo sabe?
    acho que fico com uma lupa dentro dos olhos e ouvidos.
    impactante. vivi isso com o falecimento do meu pai recentemente. frustante, é frustante.

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  3. que lindo ivana, eu quase choro!

    "O meu faz-de-conta foi o mais real contigo"
    engraçado,já me senti assim...como se tudo em algum lugar no tempo foi exatamente como um sonho!

    .

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  4. mas vc sabia, que é injusto,
    comentar algo tão profundo.
    pois suas palavras são espiração
    das benças de deus.
    além de tamanha lucidez de sentimento.
    comenta algo assim
    torna impossivel
    para meros mortais
    que usam a razão para
    demostração de sua opinião.
    por isso que é tão dificil
    dizer como esta belo e magnifico
    esses trechos divinos...

    mais distante de qualquer
    pensamento em distorção da opinião
    quero tenta comentar profundamente :

    " que a fatalidade emposta pela realidade
    ..veio em trostorno de um incrivel fim
    ..e o o que o amor resta sonhar agora
    ..na presença de lins e suas lagrimas
    ..e judite no seu leito de adeus

    .. o que pensa na apresentação do tempo
    ..em envolver o prensente de saudade
    ..e retorna o passado de arrependimento
    ..no reencontro em condições ja esperadas.

    .. e o que nós resto pobre leito pensa
    ..se a dor é estravagente no peito
    ..apesar de nem pensarmos como voce o fez
    ..na nitida magica da imaginação.

    .. e por fim é só elogiar por tudo
    ..pela coragem em sonhar
    ..pela coragem de publica-la
    ..pela perfeição de ser tão bela."


    "parabens de alguem para alguem que mereçe"


    obs : continue assim, que cada vez mais
    seus sonhos estara, em suas lembranças...

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  5. ....
    .... fiquei triste por não ser o primeiro a comentar....
    mas tudo bem...

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  6. A imagem do casamento me lembrou "Um amor pra recordar", mas o sentimento e o sofrimento aqui expressos são muito mais realistas.
    Lindas declarações.

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  7. Eveline, essa é a tal ficção do amor. Mas talvez eu esteja enganada: o fato de nao ter um amor desses em minha vida não pode ser decisivo para tornar-se fictício.

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  8. é, meus sentidos tambem se alteram nessa época da minha voda! tudo fica mais sensivel... ah, sinto muito.

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  9. A casa vazia
    A mente aberta
    A saudade latente
    A amor intrínseco

    Escorrendo pelas janelas
    Fugindo de sua ausência
    Batendo no peito descansado
    Subindo pelas paredes

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  10. Quase chorei Ivana ;P
    linda historia :D
    continue assim, e se passar de 100 paginas, agente divide 2, e fica 50 :D
    bjaoo

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  11. Hosana, o faz-de-conta sempre parece mais real do que a própria realidade. Isto talvez pelo fato de ser aquilo que queríamos viver.

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  12. Jam, nao é injusto, não ora! Suas palavras me fazem dar grandes 'pulos ao norte' e seguir este cominho. Você me ajuda muito.

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  13. Nossa, 'um amor pra recordar' realmente fez recordar algo em mim. Boa comparação, thiago!

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  14. A casa vazia e a mente aberta realmente podem ser úteis. abraço

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  15. kkkkk, muito bom saber, pedro, que você lerá um livro meu! uhahuahuua

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